2020-12-17
DIÁRIO DE NOTÍCIAS
Museu Judaico já não fica em Alfama. Vai para Belém
A construção de um Museu Judaico no Largo de São Miguel, em Alfama, não vai avançar. O espaço já tem uma nova localização – vai ficar em Belém, entre a Avenida da Índia e a Rua das Hortas. Anunciado em 2016, com abertura prevista para o ano seguinte, a construção do museu no coração do bairro lisboeta suscitou a contestação de moradores, que interpuseram uma ação popular com providência cautelar – um processo que ainda corre nos tribunais – para travar o projeto, alegando que desvirtua as características arquitetónicas do local.
Com todo o processo parado, a Câmara opta agora por mudar a localização do museu. A alteração vai a reunião do executivo da Câmara de Lisboa na próxima segunda-feira. Da agenda constam várias propostas referentes a este assunto, nomeadamente a “revogação do Protocolo Tripartido celebrado entre o Município de Lisboa, a Comunidade Israelita de Lisboa e a Associação Turismo de Lisboa (ATL), para a criação e funcionamento do Museu Judaico”. Prevista está também a “revogação do direito de superfície constituído a favor da Associação de Turismo de Lisboa” dos prédios em Alfama que deveriam dar lugar ao Museu.
Em paralelo será discutida uma outra proposta, que visa “submeter à Assembleia Municipal a celebração de contrato-promessa de constituição de direito de superfície a favor da Associação Hagadá, sobre prédios municipais, sitos entre a Avenida da Índia e a Rua das Hortas, na Freguesia de Belém, para construção do futuro Museu Judaico de Lisboa”.
Nas propostas, a que o DN teve acesso, é referido que “em virtude de vicissitudes várias, designadamente as decorrentes do processo judicial que se encontra ainda a correr os seus termos, encontra-se por ora vedada a possibilidade de assegurar a continuidade do processo de construção do Museu Judaico de Lisboa, no Largo de S. Miguel, em Alfama”. “Perante a importância que assume a concretização deste projeto, e face à incerteza quanto à possibilidade (e oportunidade) de construir este equipamento no local e nos moldes inicialmente concebidos, foram desenvolvidos todos os esforços com vista à identificação de soluções alternativas que permitissem a sua viabilização”, refere o documento.
Neste contexto foi “identificado um local alternativo para a construção do Museu Judaico de Lisboa – sito na freguesia de Belém, entre a Avenida da Índia e a Rua das Hortas – que permitirá conceber e realizar um projeto com características e condições únicas para o efeito e conceber um novo modelo para a criação, implementação e funcionamento do Museu Judaico de Lisboa, através de uma entidade especificamente criada para o efeito: a Associação Hagadá” – associação privada sem fins lucrativos que ficará responsável pela “criação, instalação e funcionamento” do museu judaico de Lisboa.
Num dos documentos que vai a discussão é referido que “a Comunidade Judaica aceita e vê com agrado a construção do futuro Museu Judaico nesta nova localização”.
O plano para a construção do Museu foi anunciado em 2016, resultado de um acordo entre a Câmara Municipal, a Associação de Turismo de Lisboa e a Comunidade Israelita de Lisboa. O projeto então apresentado, da autoria da arquiteta Graça Bachmann, com quatro andares acima do nível da rua, apresentava duas fachadas distintas, uma semelhante ao edificado residencial típico do bairro, e uma segunda bastante diferenciada, em pedra lioz e com um friso em baixo relevo a desenhar a Estrela de David, que dava para o Largo e para a Rua de São Miguel – um local escolhido também pelo seu simbolismo, próximo da antiga Judiaria de Alfama, o principal bairro de judeus da cidade. Fernando Medina, presidente da autarquia, falou então num dia “histórico”, o princípio do fim na concretização de uma “velha ambição” da autarquia. Na altura estava previsto um investimento total de cinco milhões de euros, suportado por fundos da taxa turística e por uma doação da Fundação Lina e Patrick Drahi (fundador e presidente do grupo Altice) no valor de cerca de 1,2 milhões de euros. O Museu ficaria localizado no espaço até então ocupado por três prédios camarários e um quarto, propriedade de um privado, que a câmara adquiriu (cedendo os direitos de superfície à Associação de Turismo de Lisboa”, e deveria estar concluído logo no ano seguinte, em 2017.
Uma ideia com duas décadas, um projeto que se arrasta há quatro anos
Mas a história do Museu Judaico estava mesmo no princípio. A ideia não agradou nem aos moradores nem a associações de defesa do património, que argumentaram que o projeto desvirtuava as características arquitetónicas do Largo de São Miguel e não respeitava o Plano Diretor Municipal da cidade.
A Associação do Património e População de Alfama (APPA) avançou com uma providência cautelar contra a demolição dos quatro edifícios e a construção do Museu no largo. A providência começou por ser recusada em primeira instância, mas acabaria validada pelo Tribunal Central Administrativo do Sul e mais tarde pelo Supremo Tribunal Administrativo, que apreciou o caso na sequência de um recurso da autarquia. Segundo noticiou o Público em junho de 2019, o STA concluiu que a demolição dos edifícios que existiam no local não respeitava o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e da Colina do Castelo. Na documentação que vai à reunião da Câmara é referido que o reagendamento da audiência de discussão e julgamento, no âmbito da Ação Administrativa Impugnatória, foi “adiada sine die, por força dos condicionalismos impostos pela declaração de estado de emergência”.
Nas propostas que vão a decisão camarária na próxima segunda-feira a autarquia refere que a “ideia da criação de um Museu Judaico em Lisboa nasceu há cerca de duas décadas, como resposta a um interesse crescente por parte da sociedade e à necessidade de recolha, preservação e divulgação de um património atualmente disperso, desconhecido e em grande parte não identificado”. “Lisboa, onde o passado judaico assumiu uma enorme relevância, é das poucas capitais onde ainda não existe um equipamento dedicado, exclusivamente, à salvaguarda e divulgação dessa importante herança cultural”, aponta o documento.
A construção do Museu Judaico na freguesia de Belém vai implicar uma permuta de terrenos entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a autarquia. Segundo é explicado trata-se de um terreno em que a Santa Casa previa a “criação de lotes destinados a habitação e de um equipamento privado, destinado a centro de dia e utilização coletiva”, mas que teve o licenciamento recusado nos termos em que estava previsto e condicionado a uma diminuição da volumetria e do edificado. O projeto deverá agora passar para o novo terreno cedido pela câmara, o que implicará a saída daquele local do Centro de Arqueologia de Lisboa (CAL), que será mudado para “instalações municipais sitas na Quinta do Olival e Casal dos Abrantes”. A câmara escreve que estão “também asseguradas as condições para cessação das demais ocupações existentes”. O terreno que é permutado pela Santa Casa não tem qualquer construção.
susete francisco